quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Amizade

Se tem alguma coisa que torna a minha vida difícil? Com certeza. É muito difícil tentar fazer amizade com as pessoas sabendo com antecedência que elas não vão conseguir gostar da gente. Algumas até que tentam. Mas só pra você ter uma ideia de como é difícil entender um autista, o símbolo escolhido para nos representar é um quebra-cabeça cheio de cores. Eu acho lindo aquele laço todo colorido, me identifico muito. Mas dá o que pensar, dá pra imaginar o desafio que nós representamos para as outras pessoas. Nem mesmo os cientistas nos entendem! E nem sequer um autista sempre entende o outro, porque o autismo é realmente um arco-íris com muitas variações de uma situação de autismo para outra. Eu não posso falar em nome de todos os autistas, só posso falar em nome de mim mesma, por mais que ache isso péssimo, afinal sempre preferi o “nós” ao “eu”, mas neste caso eu tenho de dizer “eu autista sou assim”, e jamais “nós autistas somos assim”. Então o caso é que às vezes acabo me isolando, não porque goste de ficar sozinha, mas para proteger os outros de certas atitudes minhas que eles não entendem e para me proteger das reações deles ao meu jeito de ser. Porque, infelizmente, embora me falte a intuição, não me falta a consciência de perceber as expressões condescendentes às vezes, outras vezes explicitamente hostis. Vou explicar. Imagine que um colega de trabalho pisou em cocô de cachorro. Todo mundo vai pegar no pé dele por causa disso. Mas se ele for cego, ninguém vai ter coragem de falar nada, mas o caso é que o cheiro está muito forte, então ninguém consegue ficar perto dele, e ele não entende o porquê. Então, no meu caso, alguns me tratam bem só por educação, mas me evitam sempre que podem. Já outros dizem na minha cara tudo o que pensam a meu respeito, e, vou te contar, não é nada bom. Mas, para terminar este post de forma positiva, quero dizer que sim tenho amigos, muitos deles autistas como eu, e outros que, mesmo sendo neurotípicos, são capazes de me aceitar como eu sou e enxergar minhas qualidades por trás da minha diferença, e de não passar o tempo todo tentando me consertar, mesmo que seja com as melhores intenções. Então procuro me apegar a essas pessoas, e, ainda que aos trancos e barrancos, vamos nos ajudando, vamos nos apoiando, vamos sobrevivendo. E sim, acho que, no final das contas, consigo fazer alguma diferença neste mundo para o bem. 


Amigo

Amigo
Eu ando tão só, fica comigo
E faz do teu braço meu abrigo
Canta uma canção pra me fazer dormir

Amigo
O meu coração já sofreu tanto
E está precisando de acalanto
Me diz uma graça que é pra eu sorrir

Preciso
De alguém que me dê a sua mão
E não me diga sim nem diga não
Apenas me ame... nada mais

Amigo
Eu tenho tanto medo do escuro
Acende uma luz no meu futuro
Deixa eu te encontrar... em paz.

                                   Helena Acê.

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Emoções (ou a falta delas)

É ruim ser autista? Não necessariamente. É verdade que o autismo é uma deficiência cognitiva que não nos permite experimentar a vida com as mesmas percepções ou sensações que as pessoas neurotípicas. Eu diria que me falta o sentido da intuição e a consciência das emoções. Mas existem outras pessoas que não têm algum tipo de percepção, como as cegas e as surdas, e isso de modo algum as torna inferiores. Eu comparo a vida de um autista com a experiência de comer uma maçã sem sentir o gosto. Vamos supor que eu não tenha o sentido do paladar. É verdade que seria bem melhor sentir o sabor da maçã, mas eu como a maçã mesmo assim e fico sadia. Por outro lado, se eu fosse capaz de sentir o sabor dos alimentos, talvez, em vez de comer a maçã, eu ia me empanturrar de doces, bolachas recheadas e miojo, e ia acabar com a minha saúde. Então o simples fato de eu ter um sentido não garante que eu vou fazer um bom uso dele, mas a falta de um sentido com certeza me impede de fazer mal uso dele. Por isso que, no fim das contas, eu não me sinto nem em vantagem, nem em desvantagem com relação a ninguém. É verdade que eu não tenho certas emoções que devem tornar a vida bem mais interessante, então às vezes eu sinto sim certa curiosidade pra saber o que são essas sensações de que tanto as pessoas falam e que parecem tão boas. Acho que, se a vida fosse um chocolate, as emoções seriam o doce que o torna mais apetitoso. Chocolate sem doce continua tendo o mesmo valor nutritivo, mas é bem difícil de engolir. Por outro lado, o açúcar que adoça o chocolate artificialmente engorda, provoca cáries, vicia... bom mesmo é o doce natural, e isso também deve valer para as emoções. Mas estou falando sem conhecimento de causa, afinal as únicas emoções que eu sou capaz de sentir são raiva e euforia. Das outras só tenho consciência pelas manifestações físicas, por exemplo, quando estou nervosa tenho ânsia de vômito, quando estou triste meu peito dói literalmente... mas não tem uma manifestação física para as emoções positivas, então essa parte boa da vida eu desconheço, na verdade eu nem imagino o que estou perdendo. Por isso, não sei se tenho direito de dar uma opinião sobre o assunto, mas o caso é que eu estou vendo as pessoas que são capazes de sentir essas emoções fazendo delas o pior uso possível, mentindo, invejando, humilhando, manipulando, usurpando. Em nome das emoções as pessoas colocam em risco a sua própria vida e a dos outros. Alguns chegam a matar por causa de suas emoções descontroladas. Pensando bem, eu não preciso sentir nem um pinguinho de inveja dessas pessoas.

Fonte de pesquisa: Valerie van Mulukom. A ciência por trás da intuição – e como ela pode nos ajudar a tomar decisões. BBC Future, 6 agosto 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-44829457. Acesso em: 18 ago. 2021.


12 anos

ILUSÃO

Amor? Não o conheço.
Só sei que, desde o começo
eu tanto me iludi
na necessidade amarga
de amar e ser amada
ao meu coração menti.

E como sofri em vão
dizendo ao meu coração:
"Ele há de me amar",
quando eu mesma, criança,
sustentava a esperança
de de alguém vir a gostar.

Mas vivendo e aprendendo.
Estou chorando, estou sofrendo
por um amor que não existe
mas não morre a esperança
e quem tem perseverança
é forte e não desiste.


Helena Acê

sábado, 14 de março de 2020

Para Tainá

Tainá, inspirei-me em você para fazer a seleção de poesias desta postagem. Decidi escolher poesias que eu acho que você entenderia. Algumas delas parecem falar de amor, mas é só um pretexto. Se bem que eu acho que, pra você, eu não preciso explicar nada.
Mas vou localizá-las no tempo para que, se por acaso alguma pessoa no mundo chegar a ler minhas poesias, essa pessoa saiba que elas não refletem mais quem sou hoje. Afinal, agora eu sei que sou autista. E, pra deixar claro que “autista” não é sinônimo de “ensimesmado”, vou relacionar com duas músicas gravadas por Simone e Fagner que transmitem mais ou menos o mesmo sentimento.





26 anos

PARA O MEU AMOR

Se o que eu sinto quando vejo o mar
Pudesse com palavras expressar
Chuva na floresta, natureza em festa
Manhãs de inverno, o sol a despontar

A solidão da lua a te olhar
Que com seus raios tenta te tocar
E como escrava tua te segue pela rua
Sem poder jamais te alcançar

Na sinfonia do entardecer
Todos os bichos cantam de prazer
Pudesse eu aprender os sons da criação
Fazer uma canção e então te oferecer

Esse seria o meu hino de amor
O verso que eu jamais irei compor
Pois nada é tão bonito como o infinito
O poema escrito pelo criador

Por isso eu prefiro me calar
E, contigo, nos campos caminhar
E quando o sol se pôr e o céu se encher de cor
Apenas olhar fundo em teu olhar.


A imagem mostra a silhueta de um rosto em perfil, e dentro dessa silhueta a imagem de um pôr do Sol na praia.
Montagem com base nas imagens de Valéria Rodrigues Valéria
por Pixabay e de Gordon Johnson por Pixabay.
28 anos

REFLEXÃO

Deixe-me calar
Só o que eu quero
É bem longe flutuar
De repente
Me sentir noutro lugar
Sem limites
Para o que eu quiser sonhar.
Não estranhe
Este vazio no olhar
É o reflexo
Da profundeza do mar.







29 anos

PÉROLA

Seu coração
é uma pérola escondida
numa concha esquecida
no mais fundo do oceano
e eu queria tanto mergulhar
e eu queria tanto encontrar
a chave que abre a porta desse mar
mas tenho medo de me afogar.

Sua solidão
é um beco sem saída
uma profissão de vida
um refúgio e um engano
que eu queria tanto desvendar
e em seus labirintos penetrar
mas você insiste em se fechar
e me faz sofrer em seu lugar.

30 anos

DISFARCES

Se me amasses,
de que me valeria?
Talvez pra minha imagem
pudesse ser vantagem
exibir meu galardão:
o teu troféu-coração.
Mas, de noite, choraria
no impasse
de unir nossos caminhos
ou permanecer sozinhos
com a própria liberdade
embotada de saudade.
Se me amasses
acho que eu gostaria
e é disto que tenho medo:
que descubras meu segredo
camuflado na apatia
dos disfarces.




segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

TESTE DE AUTISMO



Tenho de escrever sobre este assunto pra não passar por mentirosa, porque esse foi o pretexto que eu usei para pedir a algumas pessoas que fizessem o teste e mandassem para mim. No fundo, o que eu queria era provar minha tese de que “de médico, autista e louco, todo mundo tem um pouco”. Sinceramente, eu acho que existem muito mais pessoas com TEA no mundo do que se imagina, pessoas que como eu passam a vida tentando se enquadrar e não conseguem, e são tachadas de nerds, esquisitas, grossas, antissociais, e são cobradas por uma mudança impossível de ser feita. Mas como eu me propus a escrever este blog para divulgar as minhas poesias, vou transcrever aquela que eu acho que mais tem a ver com o tema, e que eu compus por volta dos 12 anos. O meu poema foi uma releitura de uma poesia concreta composta por minha irmã-mentora durante seu curso de tradutora e intérprete. Ela autorizou que eu o reproduzisse abaixo. 

Data de criação: 1976.

E este é o meu poema:

BUSCA VAZIA
Verdade, onde está você
Que quanto mais te procuro
Mais distante me parece?
Você é como o futuro:
Tão próximo, e nunca ao alcance...

Procuro-te nos amigos
Mas os amigos são falsos.
Como achar-te no amor
Se amar eu já não sei?
De procura viverei?

A verdade não está em mim
Eu já nem sei mais o que é certo ou errado
Fico confusa com os acontecimentos
Pois você foge, e fica o mundo embaralhado
Não há mais certeza, não há verdade enfim

Mas para que essa busca infinda
Se os sonhos, que fogem à realidade
Se as ilusões, que tão doces nos parecem
São o que melhor finge felicidade?
Afinal, verdade, o que é você?

Muitas das dúvidas que eu tinha quando escrevi este poema foram respondidas quando estudei a Bíblia. No entanto, persistiu a angústia de não saber o porquê de eu ser diferente, de tentar ser como as outras pessoas e não conseguir, por mais que me esforçasse. Então, aos 19 anos, escrevi tipo o episódio 2 da saga, cuja introdução eu devo a Mário de Andrade:

Não me julgue
Apenas sinta
Pelas gotas de sangue
Que escorrem da minha mente
Manchando um papel de paixões
Apenas verás um passado
Marcado, morto, esquecido.
No grito preso na garganta
Um sonho de liberdade
E a tentativa lancinante da verdade.
Mas eu, quem sou?
Eu sou um passo
No limiar da loucura
A vida, uma eterna procura
Tentando achar o motivo
Da morte que agora vivo.
E você? Você é a lua
Que feito sonho flutua
Em minhas noites vazias
E o sol que, embora distante,
Aquece estas manhãs frias
De que nascem os meus dias
E é assim que eu te quero
Nada mais de ti espero
A não ser poder te amar
E nesse amor, quem sabe,
Ressuscitar.

Este poema é um pouco diferente porque foi dedicado a um autor que eu tinha acabado de conhecer num concurso de poesias, Paulo Ferraz Simões. Ele se aproximou de mim porque gostou do poema que eu havia apresentado no concurso, e que incidentalmente ficou em sétimo lugar. Eu achei o máximo, porque era uma poesia falando mal dos poetas! E eu a devo a minha irmã-mentora, que disse que todo poeta é uma pessoa frustrada. Este é o poema que eu apresentei no concurso:

SER POETA
“EU” não basta para o mundo
E um quarto é muito pouco
Pra se fazer um poema.
Há que te mais que palavras,
Sendo só, ser mais que um,
Tornar infinito o nada,
Eterno o que já se foi.
Ser poeta? Para quê?
Mais que amar? Mais que viver?
Tantas palavras vazias
Quantas estrofes inúteis
Pra narrar uma utopia,
Como se a vida
Se resumisse em uma rima.
Aqui dentro o tempo para
Mas lá fora o mundo gira
E nos chama!
Mas não, somos poetas.
Nossa missão é sonhar,
Ver beleza onde não há
E nada fazer
A não ser
poetar.

O curioso é que o Paulo inscreveu um poema que tentava provar que ele, mesmo sendo poeta, não era uma pessoa frustrada. Ele respondeu ao pensamento da minha irmã sem nem sequer conhecê-la. Vai ver foi o inconsciente coletivo. Eu sempre penso que essa teoria tem alguma lógica, principalmente quando tenho uma ideia que eu julgo originalíssima e depois descubro que um monte de gente teve a mesma ideia no mesmo instante que eu. Sinceramente, eu juro que fui eu que inventei o bolo da caneca.

Voltando ao teste, pelo menos uma pessoa que o fez acusou um alto grau de possibilidade de estar dentro do espectro autista. Coincidentemente, era minha melhor amiga. E nunca mais falou comigo depois disso. Só posso imaginar o que passou pela cabeça dela ao descobrir sua condição, porque aparentemente ela não quer falar sobre esse assunto. Eu sei que é terrível, mas ainda acho pior não saber a verdade. O resultado do teste dela está aí, misturado com os outros. Prometi que ia manter o anonimato.

Neurodiverso de alta funcionalidade.

Neurotípico com inibição latente alta.

Neurotípico de alto Q.I.
Neurodiverso de alta funcionalidade.

Neurodiverso de alta funcionalidade.

































































Se você não tem medo de saber a verdade, faz o teste e manda pra mim?


domingo, 15 de setembro de 2019

“Severina Xique-Xique”

O ano devia ser 1975, porque foi nesse ano que as canções “Poxa” e “Severina Xique-Xique” estavam estrondando nas paradas de sucesso. Talvez por isso, no dia que o tema da aula de português era paródia, a professora escolheu essas duas músicas.

paródia
Parte superior do formulário
(pa..di:a)
sf.
1. Imitação engraçada ou crítica de uma obra (literária, teatral, musical).
2. Imitação burlesca de qualquer coisa: A vaidade é a paródia do orgulho.
[F.: Do gr. paroidía. Hom./Par.: parodia (fl. de parodiar).]
Disponível em: <http://www.aulete.com.br/par%C3%B3dia>. Acesso em: 15 set. 2019.

As músicas eram sucesso, mas a aula foi um fracasso. Só achei um pouco estranho tanta gente querendo estar no meu grupo. No fim das contas, eu fiz tudo sozinha, as duas paródias. A paródia de “Poxa” nem vale a pena ser reproduzida, de tão chata que ficou.
Imagem de Gerd Altmann por Pixabay 
A de “Severina Xique-Xique”, inspirada no personagem principal do filme Meu pé de laranja-lima, ficou mais ou menos assim:

         A vida é triste lá no bairro do fundinho
         porque tem um garotinho que não deixa a gente em paz
         Foge de casa, faz mil e uma travessuras, 
         esse menino é uma loucura, é só vendo o que ele faz
         Ele acaba uma planejando mais, ele acaba uma planejando mais... 


E no dia de apresentar, surpresa: Só o meu grupo cumpriu a tarefa!

Mas isso não foi por causa de alguma genialidade de minha parte. Foi por absoluta falta de autocrítica. Em nenhum momento eu tentei ser engraçada, só fui encaixando as palavras na melodia e pronto. Analisando hoje, percebo que não tinha como essa atividade dar certo. Primeiro, porque a melodia de “Poxa”, no estilo samba-canção, não serve de trilha sonora para uma paródia, simplesmente não combina, é como achar engraçado o Charlie Chaplin no filme Luzes da ribalta.

Imagem de Hans Braxmeier por Pixabay
Segundo, é impossível parodiar “Severina Xique-Xique”. É covardia pedir isso para um bando de crianças (isto é, pré-adolescentes) do sexto ano. Não tem como, de uma música que é engraçada em sua essência, fazer uma versão mais engraçada ainda. Eu cumpri a tarefa porque tudo que me mandavam eu fazia, ainda que mecanicamente. E a minha versão ficou tão engraçada quanto esta foto que eu achei no banco de imagens, por incrível que pareça, usando o filtro ”engraçado”.
Parece que eu não sou a única que não tem autocrítica.


Quero aproveitar para agradecer à Cidinha dos olhos pequenos, por ter sido minha amiga nessa época em que tantos colegas de classe se aproximavam de mim só para tirar boas notas nos trabalhos em grupo.


Discussão: Você acha que as paródias perderam a graça?

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

"Do jeito que a vida quer"

1976. Ainda com 11 anos, na 7ª série (atual 8º ano).
Aprendi uma palavra nova.


(vi.ce-ver.sa)
adv.
1. Em sentido inverso; INVERSAMENTE: Carla gosta dos livros de Ana e vice-versa.
2. De forma recíproca; MUTUAMENTE: Marcelo gosta de Fátima e vice-versa.
[F.: Do lat. vice-versa (às avessas).]
Disponível em: <http://www.aulete.com.br/vice-versa>. Acesso em: 12 set. 2019.














Não lembro qual foi a explicação da professora, mas eu sei que não entendi bem essa ideia de reciprocidade nas relações, o que eu entendi foi que “vice-versa” era um jeito de economizar palavras, isto é, de não precisar dizer de novo o que eu já tinha dito, só que ao contrário. Então, como eu costumo levar tudo ao pé da letra, comecei a fazer experiências trocando o sujeito pelo objeto e escrevendo algumas frases de trás para frente. Veja o que saiu:

         Eu sonhei que ele me amava e vice-versa.
         Acordei, eu o amava e vice-versa.
         Não contei o sonho, e vice-versa.
         Ele se realizou, e vice-versa.

         E hoje por causa desta vice-versão
         Nós dois vivemos em profunda paixão
         Vice-versa, verso, poesia,
         Versa vice-presidente da companhia.

         Se você visse o que nós versamos
         E versasse o que visse
         Seria vice-versante, vice-versátil
         E vice-versa.

         E com esta festa de vice-versão
         Este verso de vice-confusão
         Nós esquecemos que a vice-paixão
         Não dá verso, só traz solidão

         Mas isso não vem ao caso
         E o caso não vem a isso
         E se alguém não entender este verso
         E se este verso não entender esse alguém
         Nós levaremos a vida vice-versando
         E a vida nos levará versa-viçando.

O que me surpreendeu foi a reação das pessoas quando eu mostrei o poema. Fui muito elogiada. Só que pra mim ele não passava de uma brincadeira com palavras, um amontoado de trocadilhos bobos. Não me dei conta, mas sem querer eu tinha reproduzido uma frase que traduz o sentimento de impotência de muita gente diante das reviravoltas da vida, e que é parte de uma canção de Benito Di Paula que fez muito sucesso naquele ano: “Do jeito que a vida quer”.


O trecho em questão é este:

         “Moço
           Aumente esse samba que o verso não para
           Batuque mais forte e a tristeza se cala
           E eu levo essa vida do jeito que ela me levar”

Então, pra variar, eu estava plagiando. Mas tudo bem, não fui a única. Essa ideia foi parafraseada em várias canções depois disso, como na de Lobão, “Vida louca vida”, e na de Zeca Pagodinho, “Deixa a vida me levar”. Sucesso garantido. As pessoas se identificam. Hoje em dia, até eu entendo o porquê.

Imagem de Soorelis por Pixabay 


Discussão: Você sente a necessidade de controlar tudo que acontece na sua vida?

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Falando de suicídio

Imagem de Jonny Lindner por Pixabay 
         No grupo de psicologia do posto de saúde, o tema da conversa no último encontro era “suicídio”, por causa do setembro amarelo. As intenções da psicóloga eram as melhores possíveis, mas ninguém escutou o que ela tentou falar, cada palavra que ela dizia era um trampolim para algumas pessoas dominarem a conversa e fazê-la girar em torno dos próprios problemas, enquanto os mais tímidos do grupo simplesmente se calavam.
         Nesse sentido, eles simplesmente reproduziram o comportamento comum no entorno do suicida em potencial. As pessoas sempre são pegas de surpresa quando alguém se suicida, mas não é porque a vítima não deu nenhum sinal: ela deu, mas ninguém prestou atenção. Ela tentou falar, mas ninguém estava interessado. Nossa tendência é superestimar nossos problemas e minimizar os dos outros. Ainda mais quando se trata de uma criança ou adolescente, que se supõe que deviam ser automaticamente felizes, afinal, que preocupação eles têm? “O que são os problemas deles em comparação com os meus?” “Eu não tenho tempo para isso!”
         Eu sei que eu não devia generalizar. Nem todo mundo é igual. Mas falando de minha própria experiência, eu comecei a falar de morte nas minhas poesias a partir dos 12 anos. Ninguém levou a sério. Aos 16 anos, eu escrevi uma poesia que era um verdadeiro pedido de socorro:

                Onde você está?
                Por favor, não me deixe buscar em vão.
                Eu quero acreditar que você existe,
                E que não é apenas mais um número.
                Quero saber que você tem sentimentos
                E que, apesar de toda a massificação
                Pensa, e não age como um autômato.
                Não me esconda seu coração
                Tudo que eu quero é saber
                Que você é humano como eu.
                Sabe, é tão difícil amar
                Mas eu quero acreditar no amor
                E quero aprender a amar você
                Mas só você pode me ensinar o caminho.
                Eu sei que tenho muitas fraquezas
                Mas quero acreditar que não estou só;
                Então, por que você foge de mim?
                Olha, as pessoas andam muito tristes,
                Algumas nem acreditam  mais em si mesmas
                E é preciso mostrar pra elas
                Que no fundo de cada um ainda há algo de bom.
                Acho até que é bem melhor lutar
                para criar uma nova realidade
                Ao invés de fugir da que já existe.
                Mas é tão duro lutar sozinho!
                Por favor, me dê esperanças.
                Me ajude a crer que felicidade
                Não é apenas mais uma palavra.

         Por incrível que pareça, esse poema foi publicado no jornal interno da empresa onde eu fazia estágio. Muitos disseram que era um lindo poema. Algumas pessoas, por outro lado, disseram que as coisas não eram bem assim. Mas ninguém percebeu que não era apenas mais uma das minhas brincadeiras com palavras.
Imagem de kalhh por Pixabay 

         Obviamente, ninguém imagina o quanto a vida de um autista pode ser árida. É como só ter ração para comer, sem gosto nenhum, dia após dia, você se obriga a engolir para não sentir a dor do estômago vazio. Até chegar o dia em que aquela mesma ração que te manteve vivo começa a te dar náuseas, diarreia, azia, dor de cabeça...

         Eu não me suicidei, mas cheguei bem perto. Felizmente havia três pessoas que eu achava que iam ficar tristes se eu fizesse aquilo: Deus em primeiro lugar, depois minha mãe, e por último um rapaz que eu namorava naquela época. Como eu fiz pra sobreviver vou contar em outro momento.

         A propósito, quando eu estava pesquisando sobre a campanha Setembro Amarelo, fiquei sabendo que a cor é em memória de Mike Emmeque se suicidou aos 17 anos. Ele era um rapaz considerado bem-humorado, com habilidades especiais, e que estava sempre querendo ajudar as pessoas. Não vou dizer que Asperger fosse o caso dele, mas é bem possível que muitos portadores dessa síndrome se enquadrem na mesma descrição.


Discussão: Você conheceu alguém que quis tirar a própria vida?